Caminho das águas
(2006)
Shirley Espíndola após estrear com Bossa Romântica produzido e dirigido por Roberto Menescal, retorna ao cenário musical com visível maturidade conquistada ao longo de dois anos e meio de trabalho em cima do repertório de seu novo disco. Durante esse mesmo período a cantora retomou as aulas de canto lírico, dedicou-se ao piano, aos estudos e leituras sobre fisiologia da voz, as raízes da música brasileira e encontrou um caminho para sua verdadeira identidade musical.
O resultado? "Caminho das Águas": Um álbum de uma intérprete que optou pela trilha brasileira abusando de seus elementos sem medo de ousar ao percorrer diversas vertentes da música nacional. Sem qualquer espécie de "fórmula" o disco traz influencias do samba, da bossa nova, do jazz, do fusion, do afro, do pop, e da MPB.
Gravado no estúdio Cia do Som (Jundiaí -S. P.), em Maio de 2006, o disco produzido por Roberto Gasperini, é uma obra plural na escolha das 10 canções - 1 inédita, dos mais de 15 compositores, dos 20 músicos, das múltiplas sonoridades. A voz pura, sem disfarce, cristalina e densa, forte e suave, inaugura a audição de "Caminho das Águas" mapeando o percurso absolutamente límpido de todas as obras.
As escolhas quanto ao repertório recaem naturalmente sobre o que tem muita harmonia, melodias interessantes, ricas, envolvendo belas letras, apenas objetivando o encontro do belo com muita naturalidade.
Convidamos Fernando Baeta, mestre em descobrir e traduzir as sutilezas das idéias da íntima e delicada relação da intérprete com a música; sem máscara e sem barreiras; a compor alguns arranjos, fazendo uso generoso dos ritmos, das texturas e das cores - por muitas vezes singelos e despretensiosos - favorecem a fonte inesgotável de musicalidade da artista bem como a sonoridade de todos os instrumentos e canções. O repertório é extremamente rico. São dez faixas escolhidas a dedo por Shirley, que procurou estampar suas grandes influências e referencias reunindo grandes compositores da música brasileira, os quais a confiaram verdadeiras preciosidades a sua voz demonstrando grande receptividade e respeito.
Jorge Camargo assina presença no disco com a canção "Alegria de Conhecer"- com arranjo especialíssimo de João Alexandre e Felipe Silveira - um sofisticado fusion, percorrendo pelas alternâncias, jazzísticas, latinas e nuances de balada.
Já Sérgio Pereira e Carlinhos Veiga, batizam um dos grandes destaques do disco, facilmente identificado e avaliado como pérola - "Patawi", cujo fulgurante a arrebatador arranjo, destaca-se pela virtuosidade e intensidade dos violões, que ganham holofotes do próprio arranjador Fernando Baeta. A influência afro-brasileira expressa uma sonoridade altamente percussiva e rítmica na alternância do afoxé e baião. A fonte de inspiração para Patawi vem do contato com o povo indígena Sateré Mawé localizado na divisa dos estados do Amazonas e Pará. A tribo é inventora da cultura do guaraná já que desenvolveu o processo de cultivo e exploração da fruta. Dando seqüência ao ingrediente acústico do álbum, Fernando Baeta contemplou o trabalho com a inédita "Espelho da Tua Força" - instrumental, vocalizada delicadamente por ele e Shirley cujo arranjo imprime marcas muito fortes com a presença dos violões, baixo fretless, bateria e percussão.
João Alexandre presente em dose tripla marca a evidência do gosto da cantora inspirado em suas composições. Da safra mais recente como "Doces Palavras" com arranjo de Felipe Alves que abre com a força do surdo e acento do piano, o samba lento partido alto, adornado pela voz de Shirley, ganha um novo ingrediente de destaque.
A sensível canção "Sobre o Amor", com um violão muito singelo, porém marcante, convida a suave presença do cello e percussão somente; reforçando a simplicidade desse bilhete de amor.
A resposta à pergunta: - qual será a direção que norteia o "Caminho das Águas", está em "Agua da Vida" - a criativa mescla da fusão sonora do funk e samba, engrandece o tema, constrói uma infinidade de imagens e sensações e fecha o álbum em grande estilo.
É de Beto Tavares a veia pop do disco: "Santo dos Santos" presenteada pela participação especial de Tifany Espíndola, quem registra com sua voz jovem e marcante, a possibilidade de interferências criativas, eletrônicas, que trazem um frescor, abrem algumas novas portas, com sonoros violões, programação de loops e samples assinados por Luciano Trinquinato.
Outro pop de Tiago Viana "Pra Onde Ir" ganhou roupagem mais sofisticada e jazzística com a participação da guitarra, piano, bateria e baixo. Caminhando pelo bom gosto, Miguel Garcia e Edu Ribeiro registram a atualíssima lâmina poética e esbanjam musicalidade nos tons da balada romântica "Infinito" onde o plangente piano de André Freitas nos leva a uma prazerosa viagem de sensações junto aos inspirados acordes e improvisos.
Aristeu Pires também presente no disco, compôs a delicada canção "O Vento", gravada anteriormente por João Alexandre, e agora marcando a influência da bossa nova na forma simplificada de trio piano, baixo e bateria, ganha como uma luva, a genuína característica do estilo, na voz de Shirley.
Um time de primeira engrandeceu ainda mais o trabalho: Tífany Espíndola (voz e vocais), Fernando Baeta e Sérgio Negri (violão), Pedro Bizelli (violão e guitarra), Felipe Alves, Bruno Coppini, Thiago Alves e Juninho (baixo), Fábio Alves, Alexandre da Cunha, Osmário Marinho, Ricardo Cecchi e Babi (bateria), Magrão e Babi (percussão), Felipe Silveira, Michel Lima, André Freitas e Luciano Trinquinato (pianos, teclados, arranjos e programação de loops), Gêneses Oliveiros (cello) e Cássio de Souza(sax). Os arranjos ficaram por conta de Fernando Baeta, Felipe Alves, João Alexandre, Felipe Silveira e Luciano Trinquinato.
Nada em "Caminho das águas" é à toa ou acidental. Ao mesmo tempo, nada é estratégico ou segue receita. Shirley está ali, inteira e despojada, em comunhão com seu instrumento e coração. A voz de Shirley nada desperdiça, embora sempre esbanje muita vontade, de expressar o que acredita, sem qualquer contradição. Exala nos minimalismos densos, inconfundivelmente pessoal e essencialmente emocionada, ela vai muito além do cantar.
O novo disco, independente leva o selo da IB Morumbi Produções e distribuído pela VPC, revela uma intérprete madura, segura e ousada ao assumir, com incrível propriedade, o universo abrangente da música brasileira como o estilo de alguém que hoje sabe o que quer e o faz lindamente...
Atreve-se a voar por novos ares e vai além das alturas a que se possa imaginar... E se algo aqui parece soar como um exagero permita-se percorrer o "Caminho das Águas" .
E então me diga...
Roberto Gasperini
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